segunda-feira, 8 de junho de 2015

Sobre oi e tchau

A função fática, a função do "oi", do "tudo bem?", e de mais um monte de palavras que servem para, digamos, lubrificar as conversas. Está presente em quase todas as culturas e, apesar de parecer inútil, é uma alternativa fácil e rápida para chamar atenção, se nada mais.
O português, porém, especificamente o português falado e informal das ruas do sudeste, está com problemas na função fática. Isso porque há um abismo sendo criado e avançando entre o formal e o informal, e estamos sofrendo para preenchê-lo.
A idéia me ocorreu no ônibus lotado. Um passageiro pediu para o cobrador passar o bilhete dele, porque ele ia descer pela frente. O cobrador concordou, e o sujeito lançou-lhe algo que me intrigou: "valeubrigado".
Valeubrigado. O rumo desesperado de nossa língua em face a um abismo na formalidade. "Valeu", de fato, não é muito apropriado para agradecer uma pessoa que você não conhece. É coisa de amigos, pressupõe uma certa intimidade. "Obrigado", por outro lado, pertence a atendentes de telemarketing e cartas institucionais. O cobrador de ônibus que você nunca viu fica no fundo do abismo, e não há boa solução.
Como infelizmente você não pode criar uma palavra nova e esperar que todo mundo entenda, a única solução possível é pegar a palavra formal demais e a informal demais, somar e dividir por dois, na esperança de que todo mundo entenda sua intenção.
Se alguém ainda não se identificou, preste atenção, e algum dia vai se deparar com uma conversa telefônica terminando assim:
-Falou
-Falou
-Tchau
-Tchau
Isso porque "tchau", justamente por ser uma despedida, tornou-se, para o brasileiro coração-mole, uma coisa meio pesada para se dizer abruptamente. O "falou", porém, é mais jovem e não tão culpado do crime terrível de encerrar um diálogo. Assim como o nosso amigo do valeubrigado, misturamos o formal e o informal para criar um pouso suave em uma situação em que nenhum deles sozinho serve. Isso porque às vezes, se houve algum favor prometido ou cumprido na ligação, precisamos de outra linha de decoro:
-Obrigado
-De nada
-Falou
-Falou
-Tchau
-Tchau
Ainda vou ver essa conversa aí em cima, só que com valeubrigado em vez de obrigado. Imagina? Quatro expressões só para terminar uma conversa.
Na fala, o "oi" também não escapa. Ficou pra tio, literalmente. Em vez dele usamos o "e ai?". Só que na verdade "e ai?" não parece o tipo de coisa que substitui "oi". Parece, na verdade, que ele foi pensado para ser a resposta.
-Oi, tudo bem?
-Tudo, e ai?
Mas em algum momento a salada aconteceu e ele entrou como a primeira coisa que você diz. "e ai? Tudo bem?". Eu não sou chato com o português, juro, mas acho que tem alguma coisa muito errada em começar um diálogo com uma conjunção.
Outro problema com o "e ai?" substituir o "oi" é um problema mais sério ainda, e que quebra muito a nossa cabeça: "e ai?" é uma pergunta. Muita gente simplesmente te cumprimenta com "e ai?", e nesse momento você sente que precisa responder a pergunta, mas ao invés disso é compelido a perguntar a mesma coisa: "e ai?", e ambos ficam satisfeitos com a certeza de que uma pergunta respondeu a outra pergunta, que não era uma pergunta pra começo de conversa, e fica um certo desconforto com o que parece ter sido um papo de sábio chinês.
Talvez essa situação esteja mais confortável para as pessoas em geral do que para mim, mas eu acho que não. Acho que estamos procurando palavras para um significado que ainda não temos, e dando um jeitinho brasileiro quando não encontramos. Será que essa bomba vai explodir? Uma nova classe de palavras mais versáteis surgirá para se adaptar a essas situações? Ou será que continuaremos fazendo remendo atrás de remendo até que todos os encontros entre pessoas se tornem constrangedores pela falta do que falar? Só resta esperar para saber.
Valeubrigado pela leitura! Falou, tchau.

Nenhum comentário:

Postar um comentário