quarta-feira, 24 de junho de 2015

A internet esclarecida, e o fim da identidade como valor positivo

"A internet promove a falsidade"

Não. Ela a amplifica. A falsidade não é um ato, é um fato. Não é comunicar uma inverdade, mas desejar a inverdade. E só é possível desejar a inverdade quando a verdade não representa nossos desejos. Assim foi o século XX, esse século de falsificação de massas. Do totalitarismo ao consumismo, do neocolonialismo aos blocos econômicos, do comunismo à globalização, foram forjados valores que falsificavam sua universalidade. A universalidade, um dos grandes temas da modernidade, foi uma mentira suja de cem anos de duração.



Dizer que a internet criou essa mentira é estar cego às bases de nossa sociedade. Ela sempre existiu: na medida em que a comunicação de massas permitiu a falsificação, a identidade pessoal tornou-se um transmissor de idéias, e não de verdades num sentido naturalista. Che Guevara não é uma pessoa. Marilyn Monroe não é uma pessoa. A foto de perfil não é uma pessoa. Quando a comunicação passou a ser impessoal, o emissor fundiu-se à mensagem. Mas quanto mais impessoal se torna a comunicação, mais esse emissor é mastigado pelas engrenagens do sentido.

E a internet está matando o emissor. Matando a identidade. Matando os próprios preconceitos que nos levaram um dia a achar que a verdade estava em sujeitos. Se a internet por um lado amplia e veicula os velhos meios, por outro ela os torna extremamente desconfortáveis. A internet primitiva, aquela que imita a alienação de massas antes vigente, alimenta nosso pessimismo informático. Mas a internet esclarecida, a internet sem líderes, sem bibliografia e inconstante por excelência, ensina cada vez mais que a veracidade e a falsidade estão nos predicados. E não há uma gota de exagero em dizer que essa lição está entre as mais importantes que a humanidade, como entidade una, já aprendeu.

Resta saber, apenas, quanto poder essa comuna anarquista global terá sobre sua comunidade. O quanto a internet mudará a alienação das massas, e o quanto a alienação das massas limitará a internet. Por enquanto, mantenho-me irremediavelmente otimista.

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