quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Desvendando tabus: viva a sinceridade, abaixo a intimidade!

"Não julgues para não ser julgado"

Por muito tempo essa mácula de ideia passeou pela mente dos homens. Fruto de insegurança! O que é o juízo de um homem para outro? Julgar é avaliar, e sem a avaliação, a vida seria vazia.

Não querer ser julgado é querer a pompa de definir-se bom ou mau independente dos resultados de suas ações. Não querer ser julgado é ter virtudes tão fracas que não as saberia defender. Porque temer as críticas, se você está certo? E se não está, como não querer que o digam?

Pois eu digo "julgue sempre, e esteja pronto para ser julgado". Teme os fascistas, os extremistas, os fanáticos? Deixa-os falar, e mais, estimula-os a falar. Quanto mais falarem, mais ouvirão, quanto mais ouvirem, mais pensarão. E se, enfim, estiverem errados, podem perceber isso de verdade.
Não use discursos de ódio, nem contra os odiosos, mas use sim seu poder de discordar, criticar e rotular.

"Não se importe com o que os outros pensam" me dizem, mas eu sou ridículo se não quero tomar banho ou cortar as unhas, independente do que os outros pensam. Se importe, sim, com o que os outros pensam, mas na medida em que isso fizer sentido para você, e em nada mais. Ficamos divididos entre seguir cegamente um juízo alheio ou ignorar cegamente o juízo alheio.

Abra os olhos, ouça com humildade, ponha o juízo alheio em luta justa com o seu próprio, e honre o vencedor. Mas lembre-se que quem determina o vencedor é você. Quando mais sua ideia for criticada, mais ouça as críticas. Se for mesmo uma boa ideia sobreviverá a todas. Não alimente insegurança com o que pensa nem medo do que dizem. Seja humilde em abrir mão do que pensa em favor do que pensa o outro. A identidade do pensar será sempre sua, mesmo que venha de outra pessoa. Não acredite na primeira coisa que fizer sentido, há infinitas maneiras erradas de fazer sentido. Seja cético, que tudo é criticável.

Eu digo, então: "Use, como ferramenta, o que os outros pensam".





"E tem que pedir?"

Ouvi isso certa vez de um homem que ralhava comigo e com meus amigos, porque estávamos sentados "no lugar errado", ou seja, no assento preferencial do ônibus. Ele dizia isso em defesa de uma mulher, que não estava grávida nem com criança de colo, não era idosa ou deficiente, mas era de meia-idade. A mulher ficou mais sem-graça com a exposição do que satisfeita.  Obviamente eu disse que ela não tinha preferência, pois não se enquadrava na mobilidade reduzida, mas que se ela quisesse sentar, ela mesma podia pedir. A resposta, marcada por um tom de indignação com uma desfeita minha, foi "e tem que pedir?"

Esse raciocínio eu levo para a vida: tudo o que não está pré-determinado tem de ser pedido. Por que? Porque como seres humanos, temos vontades. E se nossas vontades entram em conflito, temos de discutir. Nosso poder de diálogo é um dos motivos pelos quais podemos nos dar ao luxo de ter desejos. Recentemente quase perdi uma amizade por causa de um mal entendido que não vieram resolver comigo. Seria a segunda ou terceira que perco assim. Se você tem algo contra mim, me diga! Se eu me ofender porque você pensa algo de mim, eu é que estou errado. Ninguém deveria se ofender com a verdade. Se você estiver errado, eu vou lhe dizer. Eu sei que as pessoas me julgam, acabei de escrever neste post que julgar é correto. E se alguém me julga de uma forma que não acho que sou, eu quero saber.

Se você me fizer um pedido completamente absurdo, como "Gui, você poderia por favor cometer suicídio?", eu vou simplesmente responder "não, porquê?". Você não me ofende perguntando. Não me ofende nem desejando minha morte. Se você é um amigo íntimo, isso talvez muda minha opinião sobre você, mas não me ofende. E se você quer que eu me mate e não me diz, você está omitindo quem é. Há um aspecto de você que você não pode me mostrar, por medo de ser julgado. Novamente, julgue sempre, e esteja pronto para ser julgado. Se você me odeia, me diga. Se quer que eu me mate, me peça. Reservo, também, o direito de dizer não. Aí entram os acordos de um relacionamento. Tem pedidos aos quais não podemos dizer não, que são na verdade ordens. As ordens tem de vir pré-estabelecidas em contratos, em relacionamentos amigáveis ou judiciais. O que não está pré-estabelecido como ordem, ou obrigação, pode sempre ser pedido, e quem recebeu o pedido tem pleno direito de dizer "sim" ou "não", sem poder ser reprimido por qualquer resposta que der. Acabo de compor uma quadrinha sobre isso:

O que não está no acordo da relação
Pré-estabelecido como obrigação
Pode ser pedido, aceito ou negado.

Isso é um direito sagrado

De fato, nossa sociedade tem um bloqueio com o pedido. Pedir é um ato de oportunismo egoísta. Novamente, fruto de insegurança! Do que temos medo? De abusar da boa-vontade de alguém? Se a boa-vontade é minha, eu é que tenho que me policiar para não tê-la abusada. Não existe "abusar da boa vontade de alguém", existe "deixar abusarem da sua vontade, da má-vontade mesmo". Abuso é violência, e não existe violência consensual. Se você se sente pressionado pelos pedidos, é porque não está exercendo seu inalienável direito de dizer "não". E se alguém, sem perceber isso, está lhe pedindo, é simplesmente porque quer, e não supõe que seja problema para você. 

É claro que existe a coerção, na qual você sabe que a pessoa não dirá não, mesmo podendo e querendo, e abusa dessa fraqueza. Isso é errado, e é culpa do abusador, mas também é culpa, indiretamente, do coagido (a menos que seja alguém que tem naturalmente essa fraqueza, como uma criança ou um deficiente mental).


Resumindo o post com uma visão de mundo: eu acredito em um mundo onde se dê a cara para bater, onde você diga às pessoas o que pensa delas, e elas estejam prontas para que você diga o que pensa. Talvez não na mesma hora em que pensar, mas depois de refletir e ter certeza de que não está sendo precipitado. Um mundo onde a sinceridade seja uma verdadeira virtude e a intimidade seja um defeito. Não a sinceridade dos fatos, mas a dos defeitos. Não sou contra a mentira, sou contra a omissão prolongada e a vergonha. E também não a intimidade do individualismo, mas a do segredo e do egoísmo. Um mundo sem falsas amizades, fracas amizades, ou casamentos idílicos que acabam porque as pessoas percebem que não se conheciam realmente. Um mundo de livros abertos, porque é sendo um livro aberto que você é lido, e sendo um livro fechado, você será julgado pela capa.

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